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Não parece ser nova a ideia, nem se conhece, com exatidão, quem primeiro a teve, mas ela, neste momento e por meio deste documento-base se expressa pela iniciativa de se buscar a construção de um amplo arco de alianças e de mecanismos inovadores de cooperação entre movimentos sociais, entidades de natureza sindical, instituições, grupos de trabalho e núcleos de estudo e pesquisa que têm em comum o compromisso com a promoção e defesa da saúde e segurança de trabalhadores e trabalhadoras.

Buscar a construção de uma frente em defesa da saúde dos trabalhadores é uma ideia que foi concebida, num primeiro momento, tendo abrangência geográfica e institucional brasileira, porém, em seguida, ela foi entendida, também, como necessariamente latino-americana, e quiçá, de potencial amplitude geográfica ainda mais ampla. A iniciativa constitui-se numa estratégia para buscar a superação de eventuais pequenas diferenças entre potenciais parceiros, sobretudo quando contrastada com a riqueza, importância, força e urgência de focarmos o que nos une, isto é, o que é maior e o que é essencial na atual conjuntura crescentemente adversa e hostil à vida e saúde dos trabalhadores e das trabalhadoras.

No caso brasileiro, o avanço devastador do tsunami neoliberal (ou ‘ultra neoliberal’, para alguns), que capturou e vem capturando os poderes legislativo, executivo e judiciário, tem se caracterizado, dia após dia, pela ‘legalização’ daquilo que até há pouco era considerado ‘ilegal’, o que afronta, em muitos casos, preciosos princípios da Carta Constitucional de 1988, e a própria história da construção dos direitos sociais no Brasil.

A lista, a seguir, exemplifica, não de forma exaustiva, algumas das marcas deixadas por esta onda destrutiva de ataques aos direitos sociais, e em especial, aos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, com impactos sobre sua vida e saúde:

  • Emenda Constitucional no. 95/2016: congelou os gastos sociais públicos, por 20 anos, neles incluídas as rubricas da Educação e da Seguridade Social, entre outras.

  • Lei no. 13.429/2017: permitiu a “terceirização irrestrita”, porta principal para a precarização do trabalho.

  • Lei no. 13.467/2017: institucionalizou o “desmanche” da legislação trabalhista, com legalização da precarização do trabalho e destruição dos princípios do “trabalho decente ou digno”.

  • Lei no. 13.846/2019: instituiu ataques aos direitos sociais previdenciários, aos segurados e às seguradas, sempre sob o pretexto de combate a fraudes e a supostos privilégios. Os efeitos devastadores sobre a vida e saúde dos injustamente excluídos ainda não foram adequadamente avaliados, pois eles pertencem às franjas mais vulneráveis de todos os sistemas nacionais, e de consequente pouco interesse para as estatísticas econômicas.

  • Emenda Constitucional no.103/2019 (PEC 06.2019): a denominada “reforma previdenciária” com os seus impactos nefastos sobre a vida de trabalhadores e trabalhadoras, como amplamente debatido no meio acadêmico e sindical.

  • Lei no. 14.020, de 20/6/2020 (resultante da conversão da MP 936) - Institui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda; dispõe sobre medidas complementares para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, de que trata a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020; altera as Leis nos 8.213, de 24 de julho de 1991, 10.101, de 19 de dezembro de 2000, 12.546, de 14 de dezembro de 2011, 10.865, de 30 de abril de 2004, e 8.177, de 1º de março de 1991; e dá outras providências (e os Decretos nos. 10.422 e 10.470);

  • Lei Estadual – Goiás no. 20.514, de 16/7/2019 (“Lei Caiado”), regulamentada pelo Decreto no. 9.518, de 24/9.2019) que “autoriza para fins exclusivos de exportação, a extração e beneficiamento de amianto crisotila”, em desacordo com o que foi aprovado pelo Supremo Tribunal Federal, em novembro de 2017.

  • Normas Regulamentadoras (NR) de Saúde e Segurança do Trabalho: sob o pretexto de “modernização” normativa, estão sendo modificadas, apressadamente e sem consensos tripartites legítimos, quase todas as NR, algumas de grande alcance, como, por exemplo, NR 1, NR 3, NR 7, NR 9, NR 12, NR 18 e, principalmente, a importante NR 17.

Por certo, os efeitos destes ataques mais recentes sobre o viver, o adoecer e o morrer de trabalhadores e trabalhadoras ultrapassam e muito o que já vinha sendo denunciado por meio da relativamente vasta e abundante literatura produzida pelos movimentos sociais e pela academia, nas últimas décadas. Mais do que nunca, faz-se necessário que a produção do conhecimento seja mais construída e apropriada pelos próprios trabalhadores e trabalhadoras, e que se superem barreiras de comunicação, barreiras de acesso e socialização, e eventuais barreiras de preconceito ou desconfiança entre parceiros institucionais.

Como já mencionado, a gravidade do momento, intensificada pela histórica assimetria de forças no mundo capitalista, obriga a reunir nossas forças – forças do saber, forças do conhecimento, forças das ideias, forças da capacidade de articulação política etc. – para enfrentamentos mais organizados, mais estruturados, mais ‘competentes’, mais focados no que é essencial para a agenda da saúde de trabalhadores e trabalhadoras, na atual conjuntura brasileira e latino-americana.

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