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Reflexões sobre o papel da FRENTE AMPLA na atual conjuntura brasileira

Contribuição ao debate, por Lia Giraldo da Silva Augusto (13/10/2022)


Primeiramente, quero agradecer o convite feito a mim por René Mendes, para participar desta roda e trocarmos ideias sobre qual seria o papel da FRENTE AMPLA, neste momento eleitoral, e após as eleições.

Bem, não sou analista política, sou médica e membro apoiadora da FRENTE AMPLA. Mas, vamos lá...

Gostaria primeiro de abordar o papel das frentes amplas, de um modo geral, no contexto que estamos e, em particular, sobre esta nossa FRENTE e seu papel nesses dois momentos.

Já, de algum tempo, percebemos que precisamos de um sopro novo na política brasileira. E gostaria de perguntar, para o debate, se estamos preparados para isto?

É fato que o bolsonarismo ganhou poder para uma insurgência de extrema direita. Isto é um contexto complexo e novo para o nosso modo antigo de fazer política. E nos remete a desafios que ainda não temos reflexão suficiente para nos orientar para um modo distinto de fazer política. Eu também não sei dizer qual é. Mas tenho algumas pistas do que não deve ser.

O que temos à frente?

Penso que não basta restaurar o que foi feito pelos governos de centro-esquerda, e que, na verdade, nunca foram realizadas as reformas estruturais necessárias para melhorar a vida da maioria da população. Mas, mesmo feito pouco diante das necessidades, o que foi realizado - após a redemocratização do país, nos parece muito para um país tão desigual.

Precisamos refletir muito frente ao fato de que caminhamos para uma sociedade não mais marcada pelo trabalho assalariado. Como tendencia ela está perdendo força.

Então como vamos pautar as lutas dos trabalhadores, como construir pautas para além das bolhas reivindicativas, e de identidades corporativas? Estas permanecem, são legitimas e necessárias, mas não suficientes. Não podem se limitar ao campo dos interesses da reparação econômica, estas precisam integrar outros aspectos da vida. Tudo está muito conectado, não podem requerer soluções simplistas.

Estamos em um contexto global e nacional dramático.

Aos desastres ambientais e às mudanças climáticas, por exemplo, se somam a massa de gente de trabalho precarizado e desalentada. Uma massa gigantesca que convive permanentemente com a desgraça, que é decorrente das profundas iniquidades sociais e injustiças ambientais - duas faces de uma mesma moeda. Sem falar que estamos novamente sob ameaça de uma hecatombe nuclear. Quem imaginaria isto no século XXI?

As ondas migratórias mundiais, que estão a se intensificar, e os processos de violência localizados nos bolsões de pobreza das periferias urbanas e que no Brasil profundo se somam, ainda, à dos povos das florestas e dos camponeses, são fatos hoje mensuráveis, não há como escondê-los, a exemplo da sobretaxa de mortes por Covid-19, do assassinato de indígenas e da destruição ambiental.

O capitalismo verde aparece como a mais nova enganação, e sabemos que não vai resolver nada desses enormes problemas.

O capitalismo não resolveu os problemas urbanos do mundo e criou as condições para o surgimento de um forte movimento negacionista e fundamentalista, que aqui no Brasil tem mostrado sua cara nestes últimos anos, causando uma certa perplexidade no ambiente intelectual, na esquerda, e em segmentos ainda não cooptados da sociedade. Isto faz proliferar religiões apocalípticas, com enorme aproveitamento pela extrema direita, com risco concreto de se naturalizar uma visão fascista do mundo e de sua governabilidade.

Talvez metaforicamente estejamos bem mais perto do fim do mundo, onde o aquecimento do planeta Terra está entrando em colapso socioambiental.

Como diria Bruno Latour, falecido esta semana, o antropoceno é também um sintoma da forma política da expropriação da natureza, e que na conjuntura atual um novo fascismo vem se desenhando para sustentar o capitalismo rentista e financista.

Quem assistiu ao filme “Estou me preparando para quando o carnaval chegar” pode ver nele algo profético. Será que é isto que resta para os trabalhadores? Ter dois ou três dias, no ano, de alegria, de felicidade, para compensar todos os outros de escravidão, transvestido de empreendedorismo, é isto?

O novo mito, a nova crença de que você é capaz de ser empreendedor e de se sair vitorioso, é a onda alienante dos trabalhadores. Vencer é por sua conta e risco. Um novo discurso para a velha trama do amo e do escravo.

Hoje, o capitalismo de modo eufemista se esconde na defesa da liberdade individual. Todos, empreendedores e senhores de si!

Ironia, o patrão fica oculto. E o explorador do meio ambiente aparece como politicamente correto.

A exploração capitalista está maquiada. O patrão invisibilizado! Nem o estado é responsável por nada. Se você não deu certo é porque você é um ‘looser’ (perdedor).

Precisamos sim de uma visão alternativa, de uma esperança nova para disputar o futuro. Não podemos prometer felicidade, pois sabemos que esta não vai durar mais do que um flash. Para os socialistas - e eu estou entre esses - continuamos buscar acabar com a exploração dos humanos e da natureza, por outros humanos.

Se historicamente perdemos até agora com as revoluções emancipatórias da classe trabalhadora, temos de continuar a refletir os por quês, mas isto não nos tira a utopia e o desejo de um bem-viver para todos. Só sei que tem um caminho, o de imaginar juntos, para entender o sonho das pessoas, onde os significantes em jogo possam ser compreendidos para permitir algumas escolhas que não sejam o abismo, como aquele que as meninas-moças do filme “Silenciadas” tiveram como única alternativa para não se subjugarem.

Os discursos relacionados apenas com os temas da austeridade fiscal, o teto de gastos, a reconstituição dos órgãos de fiscalização e controle, da autonomia dos poderes da República, da ciência e tecnologia, de refazer o arcabouço burguês do capitalismo brasileiro não serão suficientes diante da torre de Babel instalada. Estamos diante de uma enorme crise de linguagem, estamos diante da hegemonia do sem sentido.

Será que conseguiremos fazer barreiras às nocividades produzidas pelo agro, pela Vale, pelas ‘Samarcos’? Ou vamos ficar apenas na redução de danos?

Só vejo que para enfrentar todas essas adversidades precisaremos mobilizar corações e mentes. E isto é trabalho para começar agora, o de ganhar as eleições, mas que deverá se sustentar por uma ou duas gerações para construir aspirações reais para uma transcendência da visão autocrática que estão tentando plantar.

Nossa utopia hoje é a defesa da democracia, coisa que parecia antes um consenso, e vemos quanto estávamos iludidos.

Precisamos do inconformismo, da indignação frente ao sofrimento e às iniquidades para enfrentar a ‘normalização’ da extrema direita.

Chegar junto ao povo é nosso caminho. Precisamos dialogar mais com o movimento sindical, para que tenha um papel protagonista junto aos movimentos sociais, a fim de enfrentarmos os desafios desta nossa realidade nacional e internacional.

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